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Pagar para ter com quem falar


Este foi um assunto que gerou uma bela discussão no “Papo Cabeça” deste mês, pois uma das pessoas defendia esta ideia, enquanto os outros eram contra. E você o que acha?

Na minha condição de terapeuta, confesso que não só fico chocada, mas também preocupada, visto que isto mostra-nos as dificuldades que o ser humano está tendo de estabelecer relações, de comunicar-se e de criar vínculos com as pessoas. Dificuldades estas que deveriam ser tratadas e desafiadas através do processo terapêutico. Porém, na maioria das vezes, são pessoas que juram não precisar de psicoterapia, pois o preconceito fala mais alto.

A grande discussão que se deu no grupo é sobre como se estabeleceria o diálogo ou se seria apenas um monólogo. Qual a graça e a motivação de se arrumar para ir ao cinema com uma pessoa que pagou para lhe acompanhar?

Fiquei pensando se não é uma bela maneira de se enganar, de querer mostrar para os outros que não é uma pessoa solitária, mas passado o tempo contratado, a pessoa volta para sua triste realidade de que é uma pessoa tão só a ponto de ter que pagar alguém para lhe fazer companhia, para lhe escutar. Isto é desolador e até mesmo, cruel, podendo, inclusive, na minha percepção, agravar um quadro de depressão e/ou de ansiedade.

Existem recursos tecnológicos que permitem que conversemos com eles e obtenhamos a resposta, como por exemplo, o aplicativo Siri. Inclusive, a Toyota já anunciou que venderá robô para fazer companhia no trânsito, entre tantos outros recursos que já existem. Não tenho dúvida que muitas pessoas ficam deslumbradas com isto e até dá para entender, porque para estes aplicativos pode-se falar o que quiser, criar história mirabolantes e como não são seres pensantes, acabam aceitando, não questionando, não percebendo as contradições existentes entre fala e comportamento, reforçando assim, o lado narcísico, bem como, o falso self da pessoa.

Percebe-se que todos este avanço tecnológico contribui para que a pessoa fique cada vez mais isolada, se relacionando de forma virtual e convidando-nos a esquecer que o ser humano foi criado para viver em sociedade e não de forma isolada. Percebe-se a dificuldade que algumas pessoas tem de sociabilizar e quando conseguem é por um curto espaço de tempo, logo encontram desculpas e defeitos nas outras pessoas para afastar-se. Obviamente que não se questionam se o problema está no outro ou nelas; não percebem que este é um padrão de comportamento repetitivo ao longo de sua vida; que se colocam na condição de superiores, traçam crítica como uma bela maneira de esconder o forte sentimento de inferioridade que carregam consigo. A falta de questionamento, a percepção distorcida, a crítica nada mais é do que uma grande defesa para proteger-se do medo que carrega consigo de entrar em contato com o seu eu e ver quem realmente é.

O avanço tecnológico é ótimo para essas pessoas que precisam ficar alimentando as suas limitações, que na maioria são impostas por elas mesmas, levando-as a acreditar que vivem bem assim.

Esta maneira de perceber a vida e até mesmo de viver, só denota o quão adoecida e pobre de emoções, de sentimentos, de valores, de empatia, entre tantas outras coisas que poderiam ser elencadas, a nossa sociedade está.

Ao me deparar com esta realidade, suscita-me um mix de sentimentos como a tristeza, a decepção, a preocupação, a falta de empatia, o desrespeito com o ser humano, a desvalorização do humano. E aí surge a pergunta que não quer calar, será que ao aprimorar todo este avanço tecnológico o homem não está se boicotando? Será que realmente está usando a sua inteligência de forma adequada? Criou o sistema eletrônico para as empresas e com isto, foi substituído pela máquina, perdeu o emprego e muitos ainda penam com isto. Este é apensas um de vários exemplos a serem citados.

Percebe-se que as relações pessoais já estão se dando de forma automatizada, de forma virtual, as pessoas procuram alguém para se “relacionar” nos aplicativos e depois descartam como se estas fossem uma mercadoria qualquer. E o mais agravante, as pessoas é que se colocam numa condição de objeto, demonstrando a falta de respeito, de amor próprio que nutrem consigo mesmo. Expõem a sua dificuldade de criar vínculos e por isto, se estabelecer um relacionamento temporário, já está de bom tamanho. Isto é muito triste, se soubessem como são percebidas por aquelas (es) com quem se relacionam nestes aplicativos, com certeza não estariam lá! Afirmo isto com conhecimento de causa.

Pior ainda é que quem começa a manter este tipo de relacionamento, depois tem dificuldade de diferenciar o “joio do trigo”, ou seja, não vê que existem pessoas que se dão o respeito e que não aceitam ser tratada desta forma.

Sendo assim, penso que estamos chegando em uma época em que as pessoas terão várias opções para escolher de como querem se relacionar. Podem pagar para ter companhia e não trabalhar numa psicoterapia as suas dificuldades pessoais; se sujeitarem ser tratadas como objetos em aplicativos (sei que tem gente que casou por aplicativo, mas é uma minoria) e tem aquelas pessoas que ainda preferem se relacionar conversando e olhando no olho da pessoa, podendo desenvolver uma linha de raciocínio junto com os outros, desenvolverem, realmente, uma troca com respeito e sinceridade para com o outro. A escolha é livre e cada um tem o direito de escolher o que é melhor para si, mas o mínimo que temos que fazer é pensar sobre isto.

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